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SARAMAGO NOS CINEMAS

Fiquem atentos, fãs do cinema português, este é o mais recente trabalho de João Botelho!

O Ano da Morte de Ricardo Reis

De João Botelho

Com Victória Guerra, Catarina Wallenstein, Luís Lucas, Marcello Urgeghe, Luísa Cruz

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O Ano da Morte de Ricardo Reis é o mais recente filme de João Botelho. Trata-se de uma adaptação ao cinema do livro com o mesmo título, de José Saramago, escrito em 1984. A película aparece no seguimento do que tem sido uma série de adaptações de vários autores ao cinema: Agustina Bessa-Luís, Fernando Pessoa, Eça de Queirós e Fernão Mendes Pinto. Agora, é explorado o universo de Saramago, a par do de Pessoa e seus heterónimos.

O filme conta-nos o regresso de Ricardo Reis, heterónimo criado por Pessoa, a Lisboa, no dia 29 de dezembro de 1935, depois de ter vivido 16 anos no Brasil. Instalado no Hotel Bragança, na Rua do Alecrim, assiste ao desenrolar de um tempo particularmente conturbado na Europa, marcado pelo fascismo de Mussolini, pelos ideais nazis de Hitler, pela Guerra Civil espanhola e, em Portugal, pelo autoritarismo salazarista do Estado Novo. Simultaneamente, desenrola-se um conjunto de encontros entre o protagonista e o fantasma de Fernando Pessoa, que faleceu recentemente. Durante meses, ambos se perdem em reflexões sobre a vida, o país e o mundo.

O filme é a preto e branco. Ainda que pouco usual, esta escolha verifica-se acertada, reforçando a localização temporal das cenas (anos 30) e conferindo gravidade e beleza às cenas. A fita beneficia ainda de um excelente trabalho a nível dos cenários, simples, mas adequados, e da belíssima banda sonora.

Já no que toca ao enredo, é de notar que a sua compreensão é dificultada pelo desconhecimento do livro ou da obra de Fernando Pessoa. De facto, a relação entre o poeta e Reis não é explicada, e a caracterização do protagonista nunca é tal que permita ao casual observador conhecê-lo. Para além disso, se, por um lado, as interações entre Pessoa e Ricardo são marcadas pelo carisma e representam os pontos altos da narrativa, por outro, as relações deste último com as personagens femininas deixam muito a desejar. Nunca explicadas ou devidamente caracterizadas, Lídia (de Catarina Wallenstein) e Marcenda (de Victória Guerra) são abordadas de uma forma superficial e profundamente objetificada, especialmente a primeira.

Concluindo, embora interessante, o filme peca por vedar ao desconhecedor da obra a total compreensão do enredo. Apesar disso, apresenta momentos cativantes e comporta uma componente de caracterização histórica e social interessante. De qualquer forma, é recomendável ler o livro de Saramago antes de ver este projeto de João Botelho.

 Beatriz Costa,12.º A

    Não deixa de ser curiosa a fortuna de alguma da novelística portuguesa contemporânea. De há uns anos a esta parte, muitas das obras que pautaram, grosso modo, as últimas quatro décadas da produção ficcional no nosso país foram objeto de adaptação cinematográfica ou televisiva, com resultados francamente encorajadores. “Equador”, de Miguel Sousa Tavares, foi um sucesso nos escaparates e reincidiu no mesmo sucesso aquando do seu transporte para o pequeno ecrã. “Balada da Praia dos Cães”, de José Cardoso Pires, foi um livro muito bem acolhido, quer pelo público, quer pela crítica e, daí a passagem ao celulóide ter sido quase instantânea. “Crónica dos Bons Malandros”, de Mário Zambujal, foi um fenómeno de bilheteira catapultado pelo sucesso que o livro alcançou nas livrarias.

Aqui chegados, contudo, uma questão importa colocar: a circunstância de uma narrativa se transformar em bestseller é, por si só, garantia de sucesso a nível de bilheteira?

Vem isto a propósito do último objeto fílmico baseado num romance de José Saramago: “O Ano da Morte de Ricardo Reis” – sabemos que a narrativa, dada à estampa no ano de 1984, não repetiu o êxito, esse sim, retumbante, que Saramago colhera dois anos antes, com “Memorial do Convento”. Em abono deste último, poderemos aduzir que alguém jamais se atreveu a transpor para a grande tela as aventuras de Baltasar e Blimunda, no entanto há uma constante, ou, melhor dizendo, uma maldição a pairar nas películas de João Botelho: não importa se o livro teve boa ou má carreira a nível de vendas – João Botelho é um caso evidente de inexistente apetência para a sétima arte.

Para este juízo, baseamo-nos, justamente, em duas películas realizadas por este “cineasta”: “Os Maias”, de 2014, (inspirado no romance de Eça de Queirós) e “Quem és tu?”, de 2001, (adaptado a partir de “Frei Luís de Sousa”, de Almeida Garrett). Em ambos os casos estamos em presença de um cinema anémico, entediante e soporífero que desmerece dos textos-fonte onde bebeu a suposta inspiração. Acresce, ademais, a estes preocupantes exercícios fílmicos, a circunstância de aqueles textos literários oitocentistas serem referências seminais e objetos literários de créditos firmados e ampla divulgação: são, “apenas” duas das maiores glórias editoriais do nosso século XIX.

Se João Botelho havia já prestado um mau serviço, nas suas desastrosas adaptações de dois dos nossos maiores clássicos, quem o terá persuadido a reiterar o seu impudente sendeiro? Eis o denso mistério que não conseguimos deslindar...

O cineasta comete, logo de início um clamoroso erro de “casting” ao atribuir o papel de protagonista a um Chico Diaz que, manifestamente não convence: a qualquer altura esperamos que o ator descambe num sotaque nordestino e desate a cantar forró. Luís Lima Barreto corporiza um Fernando Pessoa entre o bronco, o indecifrável e o introspetivo dando-se ares de um esoterismo bacoco e egocêntrico; Lídia (Catarina Wallenstein) e Marcenda (Victoria Guerra) passam pelo filme como dois manequins a dificultarem a escolha de Ricardo Reis (o que torna difícil ao espetador desprevenido sentir alguma espécie de empatia pelo protagonista). O protagonismo de Reis é, aliás, uma das debilidades maiores da película, uma vez que as restantes personagens secundárias acabam transformadas em meros acessórios pelo travejamento narrativo.

A própria intriga(?), centrando-se no ano de 1936, está muito marcada pelo contexto histórico que é omnipresente, mas do qual as personagens não se parecem saber libertar. Há, igualmente, uma evidente dificuldade de transposição do texto literário para o celuloide: as intertextualidades que proliferam no texto saramaguiano são dificilmente perceptíveis no filme de João Botelho.

Um outro aspeto “manqué” na anterior filmografia do realizador e que aqui se afirma, uma vez mais, é o escasso sentido cinemático das suas produções. Há um pavoroso arrastamento da ação que quase nos mergulha num colapso nervoso e, para compensar, as personagens desempenham, por vezes, um “overacting” mais exagerado ainda pelo jogo de luzes e sombras que faz lembrar o expressionismo alemão. Será propositado?

Os únicos pontos positivos, quanto a nós, residem em alguns belíssimos detalhes da fotografia a aproveitar as poéticas deambulações do protagonista por uma Lisboa a preto e branco e a música de Daniel Bernardes que consegue captar, quanto a nós, a ambiência simultaneamente melancólica e fechada do Estado Novo. No cômputo geral, Saramago merecia um cineasta à altura dos seus pergaminhos.

Gabriela Pires, 12.º A







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