domingo, 19 de dezembro de 2010

Natal

Natal...Na província neva.
Nos lares aconchegados
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.
Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.
E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

Fernando Pessoa, Obra Poética

Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
Numa gruta, no bojo de um navio,
Num presépio, num prédio, num presídio,
No prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
Porque esta noite chama-se Dezembro,
Porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
Duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
A cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
Talvez seja Natal e não Dezembro,
Talvez universal a consoada.

David Mourão Ferreira, Cancioneiro do Natal